sábado, 12 de setembro de 2009

As Patacoadas por Alexandre Mate

Caros amigos!

Ontem a noite depois de um dia inteiro de trabalho e uma apresentação do meu grupo, cheguei em casa e vi que havia saído uma crítica linda do Alexandre Mate do FESTIVALE... Ai não deu... Tive que sair tomar um "capeta" pra comemorar e queria aqui compartilhar com vcs...
Uta forte em todos e inté!
Viva o teatro!
Evoé!
Ô de lê lê!


*´¨)
¸.·´¸.·*´¨) ¸.·*¨)
(¸.·´ (¸.·` *Abegão








Por Alexandre Mate*

AS PATACOADAS POSTAS EM REVISTA PELO ANDAIME, AQUELE DO LUGAR, NA BEIRA DO PORTO, ONDE O PEIXE – QUE NÃO É BOBO – PARA...

Com 23 anos de estrada e um significativo conjunto de espetáculos montados, o sempre surpreendente Grupo Andaime, de Piracicaba (SP), apresenta, louvando deliciosamente a cultura caipira paulista por intermédio de As patacoadas de Cornélio Pires a obra‐pensamento‐criação de Cornélio Pires. Para a tarefa, e muito acertadamente, o grupo convidou o incansável e talentoso diretor, autor, bonequeiro Luiz Carlos Laranjeiras. Dando nova completude aos citados e porque "um mais um é sempre mais que dois", o trio se completa (Laranjeiras/Cornélio Pires e a cultura caipira) pelo valor dos integrantes do Andaime, e neste, como destaque, o queridíssimo corifeu Antonio Chapéu.
Muitos são os méritos do espetáculo. Dentre eles, na medida em que uma proposição dramatúrgica, em sentido amplo, pressupõe um trabalho de amarração, compreendendo texto e cena (cuja responsabilidade é de Laranjeiras), a estrutura adotada tem, sobretudo, como ancoradouro o teatro de revista.
Ao cumprimentar o autor‐dramaturgo, pelo bom trabalho realizado, este afirma, de modo assemelhado a tantos revisteiros – como o paulistano Nino Nello, por exemplo – ter posposto ao título do texto a indicação: "uma estripolia musical em dois atos", acompanhada, ainda, de uma chegança. Nesta indicação ocorre a junção de duas formas teatrais ou de representação: a revista musical e o cortejo popular (representado pela chegança) e presente em tantos folguedos processionalizados pelo país.
Ao entrar na sala de espetáculos, o espectador é recebido por uma gravação radiofônica na qual, provavelmente, ouve‐se a voz da protagonista que serve de tema à obra, Cornélio Pires. Segue‐se a isso, já iniciando o prólogo, uma dupla de violeiros, da qual se destaca a maravilha que é Domingos de Salvi Neto... Que emoção ouvi‐lo tocar: que alegria inundante!!! Assim como eu, imagino, não devem ter sido poucos os "abdusidos emocionalmente!". Imediatamente ao duo de viola, os tradicionais três sinais para início do espetáculo, é anunciado por meio de um dos atores que bate a enxada no chão (como para ajustá‐la ao cabo). Dado o sinal, um conjunto de músicos surpreendentes, cujos instrumentos são ferramentas de trabalho e de uso doméstico, apresenta a apoteose de entrada. No sentido de apresentar alguns dados biográficos de Cornélio Pires, Laranjeiras, acertadamente – apresenta um pequeno e cômico séquito religioso em direção ao batismo da criança Cornélio – concentrando na breve cena todas as informações no próximo quadro. De posse dessas informações, seguem‐se belos quadros, mesclando música e cenas embebidas por vários expedientes do teatro épico.
Parte significativa das músicas apresenta particularidades do universo caipira, tomando como mote as criações cornelianas; e cenas mesclando narração e interpretação. Nesse conjunto harmônico de cenas, o ponto de vista é sempre o do caipira, da astúcia do matuto. Cenas líricas (como a do beijo roubado na igreja, passando por jogo de truco, do estudante universitário paulistano que vai "estudar" o universo caipira e deixa‐se "seduzir" pela forma espiralada de uma casca de laranja cortada... De tantas belas cenas, a do Malassombro – ligada aos fantasmas da noite – é muito longa. Apesar de pertinente em si, quebra a estrutura do espetáculo como um todo.
Durante o debate ocorrido após o espetáculo, Laranjeiras explicita a "irreverência irreverente" que norteou o processo colaborativo de criação do grupo a partir do mote central fundamental em Cornélio Pires. Como costuma acontecer na dialética popular, a irreverência iconoclasta do povo afasta para recriar; para, emocionalmente, trazer mais para perto. É isso que acontece por quem se deixa atravessar: ser tocado emocionalmente por algo tão perto e distante de si. Nesse atravessamento uma espécie de encontro consigo mesmo. Uma descoberta de que nunca se é apenas um, mas sempre mais um. Como já apontado antes, No Sal da terra: "um mais um sendo sempre mais que dois".
O lirismo popular, o universo corneliano e caipira é percebido e estetizado por Laranjeiras, que assina também a dramaturgia. Nesse novo território estetizado, cada personagem, tanto individual como coletivamente, tem características de bufão. Ao rir delas, rimos de nós mesmos, abaixo da linha do Ecuador, nessa imensa periferia: repleta de sujeitos macaqueadores de cultura, mentalidades e procedimentos que, na realidade, pouco nos diz respeito. Por aí, e como um pouco de conhecimento de si mesmo não faz mal a ninguém, um quadro apresenta uma "professora ministrando uma aula de filologia". Dentre tantas pérolas, explica a professora o significado de patacoada: jogo, brincadeira. Por extensão, patacoada tem também o sentido de ludibrio...
Como apoteose final, o espetáculo se fecha com todo elenco presentificado na emocionante Cuitelinho, recolhido por Paulo Vanzolini e Antônio Xandó.
Novamente o sentido do bufão. Será, sem perceber, que estamos sendo ludibriados pelo Andaime? Será que não somos tão caipiras e ingênuos quanto aqueles de que rimos na obra? Não seremos nós, os que nos autoconcebemos superiores, os caipiras do mundo? Com Bertolt Brecht, a partir dos versos finais de Perguntas a um operário que lê, pode‐se constatar serem, ainda: "Tantas histórias. Tantas perguntas."


Alexandre Mate
(em 11 de setembro c’os óio ainda cheio d´água e as vista atrapaiáda.)





* doutor em História Social (FFLCH‐USP). Professor de História do Teatro e da Literatura Dramática no Instituto de Artes da Unesp e da Escola Livre de Teatro de Santo André. Pesquisador de teatro e participante do Núcleo Nacional de Pesquisadores de Teatro de Rua.

Nenhum comentário:

Postar um comentário