quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Chapeuzinho Vermelho (Politicamente Correto)





Era uma vez uma jovem chamada Chapeuzinho Vermelho que vivia à beira de uma floresta com grande biodiversidade, mas cheia de espécies em perigo de extinção.
Ela vivia com sua provedora de sustento, antigamente conhecida como “mãe”, embora o uso desse termo não implique que ela seria menos que uma cidadã se tal relacionamento biológico não existisse. Nem tampouco há intenção de denegrir o igual valor das famílias não-tradicionais, embora nos desculpemos adiantadamente se porventura causarmos essa impressão.
Um dia sua provedora de sustento pediu à Chapeuzinho que levasse uma cesta de alimentos orgânicos livres de produtos animais e água mineral à sua vovozinha.
“Mas mãe, se eu fizer isso não estarei tirando o sustento dos trabalhadores sindicalizados que têm lutado há anos pelo direito de carregar todas as encomendas entre os habitantes da floresta?”
A provedora de Chapeuzinho garantiu a ela que havia preenchido o “Formulário de Missões Compassivas Especiais” e obtido a autorização do presidente do sindicato.
“Mas mãe, você não está me oprimindo ao me mandar fazer isso?”
A provedora de Chapeuzinho explicou que era impossível uma mulher oprimir a outra, já que todas as mulheres serão igualmente oprimidas até que todas sejam livres da dominação masculina.
“Mas mãe, então por que não manda meu irmão carregar a cesta, já que ele é um opressor, e devia aprender como é ser oprimido?”
A provedora explicou que seu irmão estava participando de uma passeata pelos direitos dos animais, e que, ademais, aquilo não era tarefa estereotipadamente feminina, mas um ato de inclusão que promoveria o sentido de comunidade.
“Mas eu não estarei então oprimindo a vovozinha ao implicar que ela está doente e portanto incapaz de autogestão independente?”
A provedora de Chapeuzinho explicou que sua vovó não estava doente ou incapacitada, embora isso não implique que essas condições sejam inferiores ao que é conhecido como “saudável”.
Assim, Chapeuzinho partiu segura de que a idéia de entregar a cesta à sua vó não fazia parte do capitalismo opressor excludente.
Muitas pessoas acreditam que a floresta é um lugar perigoso, mas Chapeuzinho sabia que isso era um medo irracional baseado no preconceito da sociedade patriarcal que considera o mundo natural como recurso a ser explorado, e portanto os predadores naturais seriam uma competição intolerável. Já outras pessoas evitavam a floresta por medo dos assaltos, mas Chapeuzinho sabia que em uma sociedade verdadeiramente liberta das classes sociais, todas as pessoas marginalizadas poderiam ser aceitas e seu estilo de vida ser considerado como válido.
No meio do caminho para a casa da vovozinha, Chapeuzinho viu um lenhador e saiu da estrada para examinar algumas flores quando foi surpreendida pelo Lobo Mau, que perguntou-lhe o que havia na cesta.
A professora de Chapeuzinho havia lhe advertido que não falasse com estranhos, mas Chapeuzinho tinha consciência social e havia decidido assumir controle de sua sexualidade, então ela respondeu ao Lobo que estava levando guloseimas para sua avó.
O Lobo respondeu “Minha querida, é perigoso para uma menina andar sozinha nessa floresta.”
Chapeuzinho disse “Eu considero seu comentário sexista extremamente ofensivo, mas eu ignorarei devido ao seu status tradicional de excluído da sociedade que lhe acusou estresse ao ponto de desenvolver uma visão de mundo alternativa e completamente válida. Agora, dê-me licença que eu vou seguir o meu caminho” e voltou à estrada em direção à casa da vovozinha.
Obedecendo ao arcaico pensamento ocidental decadente, o Lobo tomou um atalho que ele conhecia para chegar à casa da vovozinha antes de Chapeuzinho. Ele afirmou sua natureza de predador ao invadir a casa e engolir a vovozinha.
Então, livre das inibições causadas pelas noções tradicionais de gênero devido à sua militância entre os GLBT, ele vestiu a roupa da vovozinha e deitou na cama se escondendo debaixo das cobertas.
Chapeuzinho chegou e ofereceu à vovozinha: “Vovozinha, eu trouxe algumas guloseimas livres de crueldade animal para saudá-la no seu papel de sábia matriarca.”
O Lobo pediu “Chegue mais perto, minha criança, para que eu possa vê-la melhor.”
Chapeuzinho disse “Minha Deusa do Céu! Vovó, que grandes olhos você tem. E que enorme e fino nariz você tem.”
O Lobo respondeu “Eu poderia ter feito uma cirurgia plástica mas eu não cedi às opressões estéticas da elite branca, minha filha.”
“E vovó, que dentes grandes e afiados você tem!”
O Lobo, que não agüentou mais aqueles insultos de especiesismo, e numa reação completamente justificada pela sua exclusão social, pulou da cama, agarrou a Chapeuzinho e abriu tanto sua bocarra que ela pode ver sua vovozinha espremida no estômago do Lobo.
“Peraí! Você está esquecendo algo!” disse Chapeuzinho bravamente.
“Você tem que pedir permissão antes de avançar para um nível mais profundo de intimidade!”
O Lobo, surpreso com aquela demanda, hesitou. No mesmo momento, o lenhador invade a casa com um machado na mão gritando “Renda-se!”
“E o que você pensa que está fazendo?” disse Chapeuzinho ao lenhador. “Se eu deixá-lo me ajudar, vou expressar falta de confiança em minhas habilidades, e que vai me levar à baixa estima.”
“Sua última chance, cidadã! Liberte essa espécie em perigo de extinção! Isso é uma operação do IBAMA!” gritou o lenhador. Quando a Chapeuzinho recuou surpresa, o lenhador reagiu cortando sua cabeça com uma machadada.
“Ainda bem que você chegou à tempo,” disse o Lobo. “Aquela opressora homofóbica e sua vó me atraíram para cá. Eu pensei que ia ser sacrificado pelo preconceito de espécie.”
“Não. Eu sou a verdadeira vítima aqui.” disse o lenhador. “Eu tenho tentado lidar com a minha infância na miséria e isso só fez aumentar meu trauma.” Então o Lobo se casou com o Lenhador na igreja com as bênçãos da CNBB e foram felizes para sempre.

FIM

Adaptação de “Politically Correct Bedtime Stories: Modern Tales for Our Life Times” de James Finn Garner.

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